Sobre Jucá, Temer deveria se inspirar em Itamar

Pior do que Jucá não seguir o exemplo de Hargreaves é ter de prestar contas a um presidente que também não tem a estatura de Itamar

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Fábio Piperno

O presidente Itamar Franco jamais foi um personagem pouco afeito aos rapapés da política. Discreto, enigmático para uns, mercurial para os jornalistas que vigiavam seu dia a dia e antiquado para padrões dos críticos era, sobretudo, um homem que privilegiava a lealdade na hierarquia dos valores que mais prezava na vida pública. E não foi diferente quando as suspeitas colocaram em dúvida a conduta de um de seus mais íntimos assessores no governo, o então ministro da Casa Civil Henrique Hargreaves.

No auge das investigações que arrastaram para a degola da cassação vários deputados, Hargreaves foi acusado de omissão diante dos malfeitos que eram denunciados a um país estarrecido.

Para não constranger o governo e não envolvê-lo no mar de lama no qual o Congresso estava atolado, Itamar e Hargreaves decidiram que o ministro deveria se afastar do cargo, até que todas as suspeitas fossem investigadas e não restasse qualquer dúvida em relação à retidão do caráter do acusado.

Assim foi feito! No dia 1º de novembro de 1993 o chefe da Casa Civil deixou o governo. Pouco menos de 100 dias depois retornaria, com a ficha limpa e devidamente investigada. Itamar entregou a faixa presidencial ao sucessor sem qualquer mancha e Hargreaves seguiu a vida com a biografia incólume.

Vice que herdou a presidência como Itamar, Michel Temer assiste impávido as acusações que o ministro Romero Jucá, de viva voz, aponta contra si. Se não tem culpa, se não prevaricou como a própria voz revela na conversa vazada com Sérgio Machado, ele que prove. Enquanto isso não ocorre, deveria se inspirar em Hargreaves e sair para deixar o governo em paz.

Pior do que Jucá não seguir o exemplo de Hargreaves é ter de prestar contas a um presidente que também não tem a estatura de Itamar, que antes de deixar o Planalto atacou a hiperinflação, recolocou o país na trilha do crescimento econômico e em momento algum se descuidou da profilaxia que o cargo exige.

Presidentes Brasil

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Principal razão do liberalismo ser rejeitado pela maioria da população brasileira e ser chamado de “neoliberalismo” é porque liberais só olham as planilhas, governos fazem os ajustes fiscais via aumento de impostos, cortes em direitos trabalhistas e assistência social. Nunca é cortar na própria carne, diminuir a máquina e cargos comissionados. Porque aí bateria de frente com caciques e aliados políticos. Sobra sempre para o povo (mais pobre) e contribuinte pagar a conta.

O primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi bom por causa da “herança bendita” do Plano Real do governo Itamar Franco e das privatizações. Aí ele se empolgou e mudou a regra no meio do jogo para ter direito a uma reeleição. Foi reeleito e tentou fazer um ajuste fiscal que pesou nas costas dos mais pobres. E saiu do governo com uma grande rejeição.

Lula ganhou, assumiu o poder e fez o ajuste que precisava ser feito. Mas plantou a semente que deu origem ao programa Bolsa Família. O presidente Lula (PT) viu que o programa Fome Zero não deu certo. Teve a esperteza (por que não a humildade?) de unificar os programas sociais herdados e subaproveitados por FHC. Em suma, não se esqueceu do social como fez o Fernando Henrique.

Veio à crise de 2008 e Lula inteligentemente usou a política anticíclica para blindar o Brasil dela. E funcional – 7,5% de PIB e 90% de aprovação no final de seu governo. Elegeu Dilma Rousseff (PT) sua sucessora, mas ela não colocou fim a essa política. Continuou com a expansão do crédito, aumento do gasto corrente e intervencionismo exagerado por muito tempo sem precisar mais. Dilma teve que engolir convicções e fazer o ajuste fiscal no meio de uma crise política gravíssima por causa do escândalo de corrupção na Petrobras para o governo dela não afundar junto com o país.

Agora é preciso fazer um ajuste mais duro pela irresponsabilidade da presidente por não ter feito um ajuste mais leve quando assumiu o governo com todos os ventos favoráveis para mudanças na parte econômica e em outras áreas do governo.