Para Eduardo Giannetti, a eleição 2014 deixou feridas que não se fecharam

O eleitor é que precisa distinguir a mentira eleitoral, as propostas irreais e insustentáveis, as ilusões do discurso político

Economista Eduardo Giannetti foi o entrevistado do programa Roda Viva de segunda-feira, 24. Em uma das respostas, segundo ele “a última eleição presidencial, em 2014, deixou feridas que não se fecharam com o tempo, alguma coisa do diálogo e da grande conversa brasileira se perdeu”, disse Giannetti.

Concordo plenamente. O linchamento virtual praticado pela campanha de Dilma Rousseff, sob o comando de João Santana, extrapolou o limite de fazer uma campanha para ganhar. Virou um vale-tudo que foi para a internet e de lá ganhou às ruas. E continuou o clima hostil mesmo após o resultado eleitoral no segundo turno, principalmente com o resultado premiando a campanha petista e concedendo o quarto mandato presidencial ao partido. Uma onda de manifestação ganhou às ruas pedindo a saída da presidente, o que aconteceu em 2016.

Graça a esse vale-tudo o segundo governo Dilma nasceu morto e o impeachment era questão de tempo. O marqueteiro João Santana criou um mundo imaginário que Dilma não conseguiu manter por muito tempo. Chamou para cuidar da economia um banqueiro conhecido como “mãos de tesoura”, Joaquim Levy, do Bradesco, que ficou tão isolado no governo que pediu demissão em um ano.

Para Giannetti, o estelionato eleitoral pode ter ficado de aprendizado para as próximas eleições. Acho que não vai ter mais a pirotecnia de João Santana nas campanhas eleitorais, por vários fatores, mas mentiras em campanhas não deixarão de existir. É uma característica das campanhas políticas e não só no Brasil. O eleitor é que precisa distinguir a mentira eleitoral, as propostas irreais e insustentáveis, as ilusões do discurso político natural. Já sobre os candidatos, a campanha feroz de 2014 pode não acontecer mais, mas não tem como cravar. E o clima está tão radicalizado que 2018 pode fazer inveja a 2014.

João Santana mudou de time?

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Nos filmes da campanha de 2014, João Santana apostou no “medo” para afastar os “fantasmas do passado”, se referindo aos tucanos e para desidratar Marina Silva, que vinha subindo nas pesquisas como um foguete antes mesmo de assumir a candidatura pelo PSB após a morte de Eduardo Campos. Marina chegou a abrir 10 pontos para Dilma numa possível disputa entre as duas no segundo turno.

O filmete mais marcante foi sobre a independência do Banco Central que Marina tentou colocar no debate eleitoral e foi trucida por causa disso. Na peça publicitária eleitoral de Santana, o BC independente serviria para os banqueiros fazerem a festa e aumentar os juros, o que tiraria a comida dos pratos dos mais pobres. A propaganda tucana de agora copia o modelo petista para denunciar o estelionato eleitoral praticado por Dilma/PT na campanha passada.

Mas fica a dúvida se precisava mesmo fazer uma propaganda tão óbvia ou se seria melhor o PSDB usar o valioso tempo que o partido tem direito para mostrar o que faria de diferente se estivesse no poder.

Na última eleição havia um sentimento de mudança que fez Aécio Neves encostar e quase vencer Dilma Rousseff, no segundo turno da eleição. Porém, o sentimento de que a oposição não satisfazia esse desejo por mudança acabou prevalecendo. Se o PSDB não ocupar esse espaço e perder mais essa chance outro partido pode fazer isso.

Estelionato eleitoral

Alexandre Tombini (BC), Nelson Barbosa (Planejamento) e Joaquim Levy
Alexandre Tombini (BC) e Nelson Barbosa (Planejamento) ao fundo e Joaquim Levy (Fazenda) em destaque

Com a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, surgiu a discussão se Dilma praticou estelionato eleitoral na campanha. Quem não se lembra da peça publicitária do marqueteiro João Santana que passava a seguinte mensagem: se o Banco Central fosse Independente, “os banqueiros é quem mandarão na economia e não o presidente eleito pelo povo”, com isso “os empregos sumiriam” junto com “a comida dos pobres”. Tudo isso depois que a Marina Silva ensaiava colocar a questão da independência do BC no debate eleitoral.

Teve mais. Pela amizade de Marina com Neca Setúbal, herdeira do banco Itaú, choveram críticas na campanha oficial do PT como da militância na internet. O debate sobre a independência do Banco Central ficou distorcido. Marina e Armínio Fraga, escolhido por Aécio Neves para o Ministério da Fazenda em caso de vitória do tucano, foram trucidados pela militância petista nas redes sociais e também nos blogs ditos “progressistas”.

No meio da campanha, a presidente Dilma praticamente demitiu Guido Mantega do Ministério da Fazenda e afirmou “Governo novo, ideias novas”. O slogan da campanha da reeleição era “Mais Mudanças. Mais Futuro”, ou “Muda Mais”, de Franklin Martins, para pegar o clima de mudança que estava no ar.

Todo político deixa para montar um plano de governo depois de eleito. O plano que é disponibilizado na campanha é por pura obrigação da justiça eleitoral e serve apenas como parâmetro para o verdadeiro que surge após a vitória nas urnas. É incoerente Dilma falar a campanha toda que não vai promover “medidas impopulares” e acusar seus adversários de promovê-las caso vencessem? É. Mas Lula chamou para o Banco Central no primeiro governo um banqueiro que era filiado ao PSDB, Henrique Meirelles.

O primeiro Ministro da Fazenda de Lula foi Antonio Palocci não só manteve a política fiscal do governo FHC como fazia rasgados elogios a ela. Aliás, Palocci não era o primeiro nome da lista para o ministério. O primeiro era Aloizio Mercadante, que acabara de ser eleito Senador por São Paulo com 10 milhões de votos e não queria trair os eleitores abrindo mão do mandato de Senador. Tenho a impressão de que Lula comemora até hoje aquela recusa de Mercadante.

O PT “tucanou” em 2003 e precisou “tucanar” em 2015. As contas públicas estão esgarçadas tanto que o governo está tentando aprovar o Projeto de Lei que o deixa livre para não fazer o superávit primário. Dilma não poderia cometer “sincericídio” e dizer que o governo dela estava errado na política econômica, ou poderia e se comprometer a mudá-la. Foi mais ou menos o que ela fez: “O que tá bom vai continuar, o que não tá a gente vai melhorar”. Se é estelionato eleitoral ou não, cada um que tire suas conclusões.